terça-feira, 20 de março de 2012

EU FUI VERMEER – A lenda do falsário que enganou os nazistas - FRANK WYNNE

"O QUE FAZ UMA PESSOA EXTREMAMENTE TALENTOSA QUERER SER OUTRA PESSOA ?"



No atual mundo do entretenimento, o que conta é o público, o consumo imediato pela massa ávida de diversão abrangendo vários tipos de arte.  Música, Literatura, Cinema, Teatro (bem menos) são consumidos e descartados rapidamente, enquanto vários talentos são absolutamente desprezados: Instrumentistas espetaculares, vozes esplendidas, escritores sensacionais vagam pelo mundo sem jamais saírem da obscuridade, enquanto artistas bem menos dotados alcançam fama e fortunas estratosféricas : o mercado é medido pelo público disposto a pagar pela arte em forma de diversão. Contudo, alguns tipos de arte têm um consumo mais restrito e não podem ser valorizados pelo público que os querem desfrutar : é o caso da pintura e da escultura, para citar dois exemplos mais comuns. Este tipo de arte requer pura e simplesmente contemplação e é sempre refém de um museu ou colecionador que detém a sua posse.



É muito difícil entender porque o mercado de arte da pintura tem um processo de valorização tão obscuro e complexo, capaz de precificar obras na casa das dezenas de milhões de dólares, quando seu autor viveu e morreu na mais negra penúria. Na verdade, poucos são os talentos da pintura que são agraciados pelo reconhecimento do mercado de arte e raramente isto se dá durante a vida do artista e mesmo quando ocorre, certamente valerá muito mais depois que o mesmo se for, sobretudo porque não poderá produzir nenhuma outra obra, tornando as existentes mais raras. Mas isto não é um vaticínio : alguns pintores conseguiram muito reconhecimento em vida, mas até que ponto uma obra é valorizada pela sua qualidade intrínseca e o quanto é valorizada pelo mito de seu autor ? Como esse mito é construído, como é alimentado ?
O que torna uma obra tão valorizada num momento em detrimento a outro quando foi produzida?  Rembrandt tinha o hábito de repintar suas telas, cobrindo pinturas antigas, por falta de dinheiro para comprar material, morreu na mais completa miséria – Em 2000, teve seu “Retrato de uma dama de 62 anos” arrebatado por US$ 28.700.000 ! Porque Van Gogh só conseguiu vender um único quadro durante toda sua vida, ainda assim para seu irmão, e alcançou em 1990 a espantosa soma de US$ 82.500.000 com seu “Retrato do Dr. Gachet” ?  




Mark Rothko não teve o mesmo destino dos velhos mestres, foi muito bem sucedido e aclamado em vida, mas o que dizer de sua obra “White Center” (abaixo) ter sido vendida por nada menos que US$ 72.800.000 ?


Por mais que Rothko tenha sido um intelectual, por mais que a escola moderna possa criar um milhão de teses e conceitos, por mais que eu mesmo aprecie as cores e a sensação que esta obra desperta, a pergunta que não cala em mim, é : O que há nesta obra que valha esta quantidade de dinheiro ? Qual o critério de avaliação ? Não é possível se pagar pela pintura pura e simples, visto que em termos de técnica não ultrapassa as habilidades de uma criança de seis anos. Pelo que então se paga ?
Outro exemplo : gosto muito da obra de Jackson Pollock, certamente bem mais elaborada do que as de Rothko, mas o que leva esta obra (abaixo) valer US$ 140.000.000 ?





A questão é : Se fosse pela qualidade intrínseca, pela perfeição ou imperfeição, pela personalidade da escolha das cores ou pelo talhe da pincelada, certamente Han Van Meegeren, nascido em 1889 em Deventer, teria suas obras avaliadas no mesmo nível de Johannes Vermeer, o grande mestre de mesma nacionalidade, nascido 250 anos antes. Porém, na época de Van Meegeren , a arte moderna já havia solapado todas as técnicas da antiga escola clássica, nas quais os holandeses tanto se destacavam, inclusive ele. Sua solução foi absolutamente brilhante : Já que com sua técnica não poderia ser um mestre no presente, resolveu tornar-se um mestre do passado - a reencarnação de Johannes Vermeer.




Quem teve o prazer de assistir ao filme “Moça com brinco de pérola” pode ter uma idéia bastante razoável de como foi a vida daquele que é considerado um dos grandes gênios da "Era Dourada" da escola holandesa – Johannes Vermeer . Uma vida recheada de dificuldades financeiras que eram parcamente atendidas por um mecenas, em troca de suas pinturas de cenas familiares. Vermeer preparava seu próprio material e suas tintas e pigmentos saiam de seu atelier a partir de matérias primas como o lápis-lazúli, cinábrio, chumbo branco, índigo, criando tonalidades que marcaram toda a sua obra. Era obcecado pela luz de tal forma, que impedia que as janelas de seu estúdio fossem limpas quando estava em meio a uma pintura, para não distorcer a iluminação que ele captara. 





Este livro é sobre obras primas e também pode ser considerado uma obra prima de seu autor, pois por mais talentoso que Frank Wynne seja, penso que será difícil escrever outra obra tão interessante e bem narrada sobre um personagem tão peculiar : A vida de Han Van Meegeren, o maior falsário de todos os tempos, que conseguiu enganar museus, marchands, e o poderoso Hermann Goering - marechal do Reich alemão, vendendo reproduções feitas por ele das telas de Vermeer com tamanha perfeição, que até hoje pairam dúvidas sobre a autenticidade de alguns trabalhos atribuídos à Vermeer. A descrição do trabalho de Meegeren na busca da perfeição de suas falsificações impressionam pelo detalhismo, pelo gênio na reprodução dos materiais existentes na época de Vermeer e nas técnicas desenvolvidas por ele para o envelhecimento preciso das telas. Em outras palavras, pode-se dizer que Meegeren não apenas tinha a mesma habilidade de Vermeer para a pintura, mas outras tantas que o velho mestre nem sonhava que existiam. Meegeren conhecia além de tudo, a alma dos especialistas, dos marchands, do "mercado do mito", que fê-lo fazer uma fortuna tão robusta que por melhor que desfrutasse sua vida - e ele o fez em grande estilo - não conseguiu dar cabo de todo dinheiro auferido com suas cópias. O livro conta em detalhes suas peripécias e sua ousadia maior - conseguiu vender a tela "Cristo com a Mulher Adúltera" para Goering pelo equivalente atual de US$ 7 milhões. 




Voltamos então à questão : O que se paga quando se adquire uma obra de arte ? Van Meegeren tinha os dotes para ser um grande artista, produzindo obras com sua própria assinatura, mas desde cedo entendeu que estaria condenado à miséria se o tentasse. O mercado do mito estabelece o preço através de critérios duvidosos como também são duvidosos a autoridade e os conhecimentos dos especialistas para atribuir autenticidade a uma obra. Penso que uma vez estabelecido o mito, entra a fartura e concentração de dinheiro do mundo nas mãos daqueles que, na absoluta impossibilidade de adquirir mais objetos que satisfaçam os mais sofisticados e bizarros desejos humanos, aspiram a utopia maior : EXCLUSIVIDADE, propriedade do que é único.




Com o fim da 2a. Guerra, Meegeren foi descoberto e acusado... de entregar o tesouro holandês para os nazistas ! Em outras palavras : foi difícil provar que não se tratava de um quadro original de Vermeer. Uma vez revelada a verdade - tratava-se de uma falsificação e não de traição, foi condenado a apenas um ano de prisão, pena que não chegou cumprir, pois morreu de ataque cardíaco dias antes de ser encarcerado, aos 58 anos. Desnecessário dizer que após a revelação das peripécias de Meegeren, e após sua morte, suas cópias e alguns trabalhos originais também tiveram seus preços bastante inflacionados.

"EU FUI VERMEER" - FRANK WYNNE - Companhia das Letras - 295 páginas.


Destaque para os apêndices do autor que esclarece bastante sobre as técnicas de autenticação atuais, as falsificações (conhecidas) de Meegeren e onde estão os Vermeers verdadeiros (supostamente).

















10 comentários:

  1. O mundo em que vivemos é um mundo cheio das fantasias mais absurdas possíveis. Isso aumenta em proporção abismal, quando se entra no mundo dos "negócios". O negócio em sí, não esta preocupado se o "negociado" tem valor real ou não. Basta encontrar alguém "matusquela" que valorize e pronto, aquilo vira relíquia.Em relação à pintura,a fama de um pintor surgiu pelo perfeccionismo com que pintava seus quadros. Só então, seu nome assinado, passava a ter aquele valor. Hoje em dia, essa prática continua em tudo que é vendável, desde o tênis aos cristais.
    Havia um ditado antigo que dizia:"FAÇA FAMA E DEITE NA CAMA".

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    1. É impressionante como o que chamamos de "valor agregado", ou seja o valor atribuído para além da utilidade e o valor intrínseco de qualquer produto, sobrepujou muitas vezes o valor real. Esta é uma das críticas mais contundentes da escola liberal à teoria dos preço de Marx : não são as horas de trabalho dispendidas, mesmo que altamente qualificadas, que determinam o quanto vale um produto, mas a DEMANDA, ou seja o quanto que as pessoas estão dispostas a pagar por ele. Se olharmos um quadro como "White Center" de Rothko, podemos constatar que deve ter gasto muito pouco tempo e técnica para produzir uma obra que alguém se dispôs a pagar mais de 70 milhões de dólares ou 126 milhões de reais o que equivale a 4.200 veículos Volkswagen Gol. É isso aí...

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  2. No mundo atual, o que prevalece é o modismo. Vai desde um quadro que não diz nada, a um cara que joga futebol. É incrivel que nosso governo gasta horrores para amenidades, enquanto escolas, hospitais e serviços necessários ao povo, como transporte,estejam caindo aos pedaços. Trazendo o quadro do Rothko como exemplo, temos aqui outras tantas bobagens valorizadas em igual apreço que chega a dar náuseas. Hoje, a moçada não quer mais ser um bom médico, um bom engenheiro, mas sim jogador de futebol, onde a grana rola solta. Podemos exportar um craque da bola, mas precisamos imoportar um engenheiro. Será que um dia seremos mais inteligentes?

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    1. Pois é... mas eu penso que devemos fazer um divisor de águas : Por um lado temos um aumento significativo da população mundial o que, em minha opinião, dificulta uma educação de melhor qualidade, derivando sempre para a educação de massa que é mais voltada ao adestramento e produção do que às artes. Nos países onde a educação e a cultura são historicamente pouco desenvolvidos, há uma predileção pelo entretenimento, pelas atividades que demandam pouco do pensamento e muito da projeção - as pessoas mesmo com poucos recursos, pagam para ver seu ídolo jogando bola no estádio, porque a vitória de seu time é o único sentimento de vitória que podem usufruir. Por outro lado, o mercado milionário da arte atinge um público seleto e normalmente de alto nível educacional e cultural e que parece que necessitam da posse de uma obra exclusiva e eivada de mito para acariciar seus egos - não basta ver a obra num museu, que deveria ser a morada de todas as obras originais, é necessário possuí-la. Parece-me que a necessidade da posse de algo assim (refiro-me à obra original, não as cópias que podem aproximar o belo da vida de qualquer um que goste daquela obra) é tão fútil quanto o comportamento de tietagem e antropofagia das massas por seus ídolos. Embora isso aconteça mais na atualidade, penso que não se trata da deterioração da conduta humana, mas antes a possibilidade de uma conduta que não possuía no passado tantos meios de expressão. Basta lembrar da Roma dos Gladiadores, ou da Europa do Santo Ofício e suas execuções públicas, que movimentavam as massas da época com a mesma paixão que o futebol atual ou um show de qualquer dupla sertaneja. Somos assim...

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    2. Bem, afirmar que somos todos assim,não faz mais muito sentido criticar o que julgmos errado. Parece que não há esperança para o ser humano em melhorar seus valores em função de um equilibrio sensato.Em minha forma de pensar creio que o exemplo vem de cima, e acho que aqueles que detém o poder, poderiam oferecer melhores condições para aqueles que os sustentam, o povo, depurando sua selvageria anacrônica que não faz mais sentido porque deixamos a selva já faz algum tempo.

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    3. Faz sentido sim ! Criticar o que achamos errado e através do esforço pessoal, lutar para ser diferente, independente dos outros, é o trabalho de uma vida. Mas há necessidade de uma batalha diária para nos transformarmos naquilo que julgamos o ideal para a humanidade, pois do contrário nos tornamos, ainda que não percebamos, naquilo que nós mesmos criticamos e nosso esforço acaba sendo na justificativa de que nosso caso é "diferente". Em minha mente, só podemos evoluir se entendermos de uma vez por todas que tudo aquilo que não gostamos na sociedade, está também dentro de nós (nem poderia ser diferente) e que colaboramos de uma forma ou de outra para que as coisas continuem como estão. Concordo que quando há o exemplo de cima, fica muito mais fácil, mas parece que não podemos contar com isso.

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  3. A tentativa em ser melhor nos leva à solidão, pois quando estamos convictos de que precisamos nos lapidar, dificilmente encontramos uma parceria comprometida nesse intento. Mas é o preço. No entanto, tem razão em sua resposta, mas ainda tento descobrir porque encontramos maior número de pessoas menos dispostas e essa empreitada quando "ser melhor" seria uma grande vantagem para todos.

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    1. Faço-me esta pergunta há bastante tempo. Mas veja só o que Montaigne escreveu :" Se os outros se examinassem com atenção, como eu faço, haveriam de descobrir, como eu, cheios de futilidade e estupidez. Eu não poderia me livrar disto sem me livrar de mim mesmo. Estamos todos mergulhados nisto, uns tanto quanto outros; mas os que tem consciência se saem um pouco melhor - embora não dê para ter certeza." O detalhe é que ele escreveu isto pelos idos do século XVI ! Esta consciência e humildade atravessou toda a obra de Montaigne e o tornou praticamente o primeiro Filósofo Existencialista, calcado na observação de si mesmo e de sua experiência, sem digressões para o mundo da fantasia e do simbolismo.Este simples exercício e honestidade para consigo mesmo tornou seu pensamento imortal e atemporal e certamente melhorou muito o que ele era originalmente. Se as pessoas tivessem o mínimo de empenho em olhar para si mesmas, certamente teríamos um mundo melhor, pois observar-se é acima de tudo "curar-se".

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    2. Aguardo anciosamente novas postagens!!!!!!

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    3. Estou preparando uma que acho que vai gostar !

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